Halloween. As personagens femininas mais marcantes do género de terror

Este artigo foi publicado no Espalha-Factos a 31-10-2022.

O cinema do género de terror apresentou, desde a origem, diferentes tipos de personagens femininas. Anteriormente, o papel da mulher no terror era estereotipado, com personagens cuja única característica era gritar até à morte. Passivas, sem qualquer importância na narrativa principal da história e usadas principalmente para cenas dramáticas e chocantes: o sexo feminino já foi totalmente explorado neste género cinematográfico.

No entanto, nos últimos anos, esta tendência tem vindo a alterar-se e, muitas vezes, as personagens femininas são colocadas no centro da narrativa, ocupando um papel chave no desenrolar da história. Ao testemunhar a sua evolução no grande ecrã, o público cria fortes laços com estas personagens, torcendo por elas até aos créditos finais. Num meio onde a desigualdade entre homens e mulheres persiste, este é sem dúvida um marco do empoderamento feminino no terror. Assim, as icónicas scream queens juntam-se às inesquecíveis final girls para reinventar este género cinematográfico.

Laurie Strode - Halloween (1978)

John Carpenter é o responsável pela realização de um dos maiores clássicos do género de terror. Lançado em 1978, Halloween continua a servir de inspiração a vários filmes produzidos atualmente. Michael Myers (Nick Castle) é a personagem central da narrativa, um assassino que foge do instituto psiquiátrico onde estava internado há 15 anos, depois de assassinar a própria irmã. Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) torna-se a principal presa do predador que esconde o rosto atrás de uma máscara, enquanto Sam Loomis (Donald Pleasence), psiquiatra do assassino, tenta impedir que o caos se espalhe pela cidade de Haddonfield.

Laurie Strode - Halloween terror Fonte: IMDb

Halloween apresenta formas distintas no que toca à representação de personagens femininas. Lynda (P. J. Soles) e Annie (Nancy Kyes), melhores amigas de Laurie, são assassinadas por Michael Myers de forma dramática, sangrenta e explicita, recordando a forma estereotipada como as mulheres eram representadas neste género cinematográfico. Por outro lado, a protagonista que confronta o assassino enigmático apresenta, em simultâneo, características que tanto se podem enquadrar no conceito de scream queen, como na ideia de final girl.

A personagem, que é apresentada como uma baby-sitter desprotegida e frágil, transforma-se numa jovem mulher que grita enquanto luta, de forma descuidada, contra a figura imponente de Michael Myers. As vulnerabilidades da jovem são exibidas, mas a tenacidade da protagonista revela-se superior. Laurie utiliza objetos que encontra ao seu redor para atacar o assassino que a ameaça, sem esperar que outras personagens surjam para a salvar. Os gritos desesperantes de Jamie Lee Curtis tornam-se um elemento chave desta obra, que marca igualmente pela sua banda sonora única e enigmática.

Clarice Starling - O Silêncio dos Inocentes (1991)

O Silêncio dos Inocentes conta a história de Clarice Starling (Jodie Foster), uma jovem detetive do FBI que investiga as mortes macabras realizadas por Buffalo Bill (Ted Levine), uma assassino em série que ataca jovens mulheres, retirando a pele dos corpos das vítimas. Jack Crawford (Scott Glenn), responsável pela Unidade de Ciência Comportamental do FBI em Quantico, na Virginia, destaca Clarice para realizar uma série de entrevistas a Hannibal Lecter (Anthony Hopkins), antigo psiquiatra e um serial killer com tendências canibais. Através do estudo comportamental de Lecter, o objetivo da investigadora é perceber as atitudes de Buffalo Bill, contribuindo para a captura do assassino enigmático.

Clarice Starling - O Silêncio dos Inocentes terror Fonte: IMDb

O guião de Ted Tally, dirigido por Jonathan Demme, explora temáticas sombrias e perturbadoras, apresentando dois polos opostos da representação feminina. Por um lado, existem diversas mulheres vítimas de Buffalo Bill, captando o lado mais passivo, dramático e estereotipado deste género no terror. Por outro lado, a personagem de Clarice afasta-se deste padrão, ocupando o lugar de uma jovem mulher destemida, que trabalha num meio maioritariamente composto por homens. Para além disso, a personagem persegue o assassino, ao mesmo tempo que confronta Hannibal Lecter em diversas entrevistas intimidantes e desconcertantes, comprovando diversas vezes que é a peça-chave da narrativa, criando uma relação direta com o público.

No fundo, Clarice Starling representa a emancipação feminina no mundo do trabalho dominado por homens. Ao longo de todo o filme, a cinematografia da responsabilidade de Tak Fujimoto centra-se no ponto de vista da jovem detetive, enquadrando-se de acordo com a sua altura. Em diversos cenários, a protagonista é encontrada rodeada do elenco masculino, elementos com uma estatura maior e mais robusta, que contrastam com a figura feminina de Jodie Foster. Apesar dos elementos dispares, Clarice é vista a praticar provas físicas exigentes e confronta os dois assassinos, evidenciando a grande força física e psicológica da personagem, a verdadeira heroína de O Silêncio dos Inocentes.

Sidney Prescott - Scream (1996)

No final da década de 90, Wes Craven deu início a uma das franquias de slasher mais conhecidas de todos os tempos. Scream apresenta Sidney Prescott (Neve Campbell), uma adolescente que, um ano depois da morte enigmática da mãe, vê a própria vida ameaçada por Ghostface, um assassino com a identidade por revelar. Depois de a primeira vítima, Casey (Drew Barrymore), ser encontrada assassinada na própria casa, Dewey Riley (David Arquette), um dos polícias da cidade de Woodsboro, dá início à investigação, com a ajuda da insistente jornalista Gale Weathers (Courteney Cox).

Sidney Prescott - Scream Fonte: IMDb

A narrativa de Kevin Williamson apresenta ainda um leque de diversas personagens, prontas para cair nas partidas mortais de Ghostface. Billy (Skeet Ulrich) é o namorado de Sidney Tatum (Rose McGowan) é a melhor amiga. Stu (Matthew Lillard), o namorado de Tatum, e Randy (Jamie Kennedy), fanático por filmes de terror, completam o grupo de amigos da protagonista. Scream revolucionou o género slasher, com regras que brincam com o próprio género de terror, num universo onde os próprios personagens estão conscientes dos traços que constroem a fórmula.

Sidney Prescott é uma verdadeira final girl, iniciando a narrativa como uma rapariga frágil e vulnerável, enquanto tenta lidar com a morte misteriosa da mãe. Quando começa a ver a própria vida e a dos amigos ameaçada pelos ataques de Ghostface, tem de decidir se deve ficar presa ao passado ou abraçar o futuro, lutando contra o assassino imprevisível. No final, a força de Sidney leva a melhor. Apesar de todo o sofrimento psicológico causado depois de testemunhar uma grande quantidade de ataques e mortes sangrentas, a grande protagonista brilha durante as intensas perseguições do assassino, revelando grandes dotes para lutar e passar por cima das várias reviravoltas da narrativa.

Sidney não tem medo de sujar as mãos se isso for o necessário para salvar a sua vida e a daqueles que a rodeiam. Este é o papel de uma final girl destemida, responsável por entusiasmar o público até ao último minuto.

Grace Le Domas - Ready or Not (2019)

Ready or Not é um filme de terror com diversas características de uma comédia satírica. Realizado por Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett e escrito por Guy Busick e R. Christopher Murphy, acompanha Grace (Samara Weaving) na luta pela sobrevivência contra a família milionária do marido, Alex (Mark O'Brien). Através dos seus jogos mortais, os Le Domas revelam-se uma família hipócrita, assustadora e imprevisível, com o único objetivo de cumprir um ritual satânico, presente na família há várias gerações, que os recompensa com fama, luxo e dinheiro.

Grace Le Domas - Ready or Not Fonte: IMDb

O jogo das escondidas torna-se numa verdadeira emboscada pela vida da recém noiva, que é obrigada a fugir dos membros armados da família Le Domas. O jogo do rato e do gato conta com um único final: sacrifício humano. Do início ao fim, Ready or Not premeia os espectadores com reviravoltas de cortar o fôlego, não deixando ninguém indiferente às mortes sensacionais e sangrentas. Os momentos de tensão completam-se com o humor satírico, comprovando a diversidade que os filmes do género de terror conseguem adquirir se forem, de facto, bem executados.

Grace ocupa, sem qualquer dúvida, o grande lugar de final girl em Ready or Not. Apesar de usar o vestido de noiva durante toda a longa-metragem, a jovem revela-se suficientemente forte para enfrentar os desafios mortais da família do noivo. A protagonista improvisa várias vezes para fugir à morte pelas mãos dos Le Domas e demonstra não ter medo de sujar o vestido de cerimónia. A presa foge dos predadores, enquanto a audiência torce pela sua vitória, criando a imagem de uma protagonista destemida e ousada, capaz de tudo para sobreviver até ao nascer do sol, de forma a escapar ao ritual satânico da família milionária. O filme está disponível na Apple TV+.

Maxine Minx - X (2022)

Ti West surpreendeu os fãs com o lançamento de X, em 2022. A longa-metragem, de homenagem ao clássico The Texas Chain Saw Massacre, é um slasher recheado de mortes violentas, sangrentas e verdadeiramente explícitas. A narrativa acompanha um grupo de jovens que viaja até ao Texas, onde planeiam realizar um filme pornográfico na propriedade rural de um casal de idosos. O que Maxine (Mia Goth), Lorraine (Jenna Ortega), Bobby (Brittany Snow), Jackson (Scott Mescudi), Wayne (Martin Henderson) e RJ (Owen Campbell) desconhecem é que as suas vidas serão ameaçadas por uma equipa improvável de assassinos.

Maxine Minx - X Fonte: IMDb

X explora diversas temáticas existenciais da vida quotidiana. Começando pelo elenco, há uma clara dicotomia entre o grupo de jovens, ambiciosos e cheios de vida, e o casal de idosos formado por Howard (Stephen Ure) e Pearl (Mia Goth, com a magia realizada pelo departamento de maquilhagem e prostéticos), que parecem viver das recordações do passado jovem e leviano. Apesar de aparentar ser inofensivo, o casal revela-se a verdadeira ameaça para a equipa do filme pornográfico. A inveja pela beleza e longevidade de Maxine conduz Pearl a uma espiral de ódio e violência contra os jovens, que começam a ser atacados.

A longa-metragem discute ainda o papel da mulher na sociedade, apresentando personagens que defendem uma ideologia mais conservadora, enquanto outras seguem uma vertente mais moderna. Em simultâneo, Ti West diverte-se com o conceito de final girl, que habitualmente é uma jovem calma e virgem, porém, em X esta função é entregue a Maxine que, segundo as restantes personagens, é portadora do "fator X", isto é, com um futuro brilhante pela frente. Assim, a atriz pornográfica, promíscua e sem qualquer tipo de remorso, torna-se na verdadeira sobrevivente deste massacre violento e retorcido. É caso para dizer que foi uma verdadeira "intervenção divina".