Adeus à carne: o veganismo e o vegetarianismo em Portugal
Sociedade
Adeus à carne: o veganismo e o vegetarianismo crescem em Portugal
Publicado por:
Ângelo Oliveira, Beatriz Correia, Inês Oliveira e Mathilde
Amaral
Ao longo dos anos, a alimentação à base de vegetais
foi ganhando cada vez mais atenção e praticantes por toda a sociedade. Os
termos “vegetariano” e “vegan” tornaram-se muito populares e, como tal,
diversas opiniões, a favor ou contra, começaram a surgir. Através da análise de
dados recolhidos com um inquérito online, abordámos a perspetiva ambiental e as
consequências, positivas e negativas, que este tipo de alimentação e estilo de
vida têm na saúde humana.
Atualmente,
os termos “veganismo” e “vegetarianismo” são cada vez mais populares. Quer seja
por questões ambientais, de saúde ou até mesmo por serem uma tendência, têm conquistado
adeptos, suscitando paixões, opiniões radicais e discussões acaloradas.
No
século XIX, já existiam debates acerca das diferentes dietas e tipos de
alimentação. O termo “vegetarianismo” surgiu em 1847, havendo uma distinção
entre quem consumia produtos lácteos e quem consumia apenas produtos de origem
vegetal. Já o termo “vegan”, apenas surgiu em 1944.
O
veganismo é um modo de vida que rejeita o uso de qualquer produto de origem
animal, enquanto o vegetarianismo é um sistema de alimentação no qual se
suprimem todas as espécies de carne, mas que, na maior parte dos casos admite o
consumo de lacticínios.
Segundo
o Google Ngram Viewer, a palavra “vegan” começou a ser cada vez mais utilizada
em títulos de livros a partir de 1980, sendo que continua no seu apogeu ainda
nos dias de hoje. Já a palavra “vegetarianismo” começou a ser mais frequente a
partir de 1850, tendo atingido o seu pico nos anos 2000, mas começando a
regredir na atualidade. Uma pesquisa por “direitos animais” revela que o termo apareceu
em 1890, atingindo o seu auge em 1995. Por último, a ideia de “abuso animal”,
ganhou grande visibilidade a partir de 1980, até à atualidade.
Com
o objetivo de compreender melhor as diferentes opiniões sobre o tema, foi
realizado um inquérito online, através do Google Forms, que recolheu 213 respostas
de todo o país, de pessoas de diferentes faixas etárias.
Mais de três quartos
dos inquiridos, 76.1 %, são do sexo feminino, os restantes são do sexo
masculino e têm entre os 17 e os 55 anos.
Quanto ao grau de
escolaridade, 51,2% das pessoas têm apenas o 12º ano, seguidamente temos 37,1%
que são licenciados e os restantes enquadram-se no doutoramento, mestrado, 9º
ano e 6º ano, respetivamente.
A nível das religiões
das pessoas inquiridas, a maioria identificam-se como cristãs, 60,1%, 19,7% dizem-se
ateus e 13,1% agnósticos.
A nível da divulgação feita sobre este tipo
de alimentação e estilo de vida, cerca de 67,1% tem a opinião que não são
suficientemente divulgados, os restantes 32,9% acham que há realmente uma
grande divulgação sobre o tema.
Quanto ao sítio onde se
pode encontrar mais informações sobre o tema, 71,8% dos inquiridos afirma que é
na Internet, sendo seguido por 12,7% da amostra que se procura informar com a
ajuda de um profissional médico.
A nível da quantidade
de refeições realizadas diariamente, segundo a análise das respostas, os
inquiridos fazem desde 2 a 7 refeições por dia. Assim, 2,3% dos inquiridos
apenas comem duas vezes; 22,5% três; 42,7% quatro; e o resto mais de cinco
vezes.
Entre os inquiridos,
36,6% consome carne ou peixe cinco ou mais vezes por semana, 28,6% ingere estes
alimentos cerca de três a cinco vezes por semana, e finalmente 34,7% não come
estes alimentos ou usa-os apenas uma ou duas vezes por semana
No que diz respeito aos produtos derivados
de animais, a situação altera-se um pouco. 54% consomem estes tipos de produtos cinco ou mais vezes por semana,
27,7% usam-nos três a cinco vezes por semana e os restantes 18,3% ou não
consomem de todo estes alimentos, ou apenas consomem uma ou duas vezes por
semana.
A
opinião sobre o acesso aos produtos vegetarianos varia bastante. Cerca de 116
inquiridos têm como opinião que estes são “acessíveis”, enquanto apenas 7 são
da opinião que estes são “nada acessíveis”. No entanto, relativamente ao custo dos
produtos vegetarianos, 98 inquiridos afirmam que estes são “pouco acessíveis” e
apenas 14 defendem que são “muito acessíveis”.
A
nível da saúde, as pessoas parecem ter opiniões distintas. Cerca de 57
indivíduos “concordam” que a alimentação vegan veio melhorar a sua saúde, 26 “discordam”,
enquanto 77 dizem que é “indiferente”. Do total de inquiridos, 88 “concordam”
que, de facto, uma dieta vegan, ou vegetariana, ajuda a prevenir eventuais
problemas de saúde, enquanto mais 54 “concordam plenamente” com estas afirmação
e 29 “discordam”.
No
que diz respeito ao domínio ambiental, 123 dos inquiridos “concordam
plenamente” e outros 50 apenas “concordam” que o sistema de produção de carne
tem consequências negativas no ambiente, enquanto 15 defendem que essa prática
é “indiferente” para a sobrevivência do ecossistema. Neste seguimento, 107
indivíduos afirmam “concordar plenamente” com os direitos dos animais,
acompanhados por mais 70 que “concordam” com esta afirmação, ao contrário de 11
que “discordam”.
À
conversa com Daniel Pais, Maria Inês Pinto e Lívia Glória, membros do MAPA, Movimento
Académico de Proteção Ambiental, da Universidade da Beira Interior, tentámos
perceber quais as principais causas da crise ambiental, em Portugal e no mundo,
e o impacto que este tipo de dietas e estilo de vida têm neste domínio.
Daniel
Pais explicou as principais causas da poluição ambiental, referindo-se
principalmente ao setor da energia, incluindo transportes e produção energética.
O sector agropecuário também é uma grande influência porque continua a ter uma
elevada pegada ecológica. Outro sector que influencia muito esta poluição é o
sector têxtil, tendo esse uma pegada ecológica avassaladora, sobretudo em
países menos desenvolvidos. Segundo ele, “ações simples como a poupança de
energia ou a preferência por energia de fontes renováveis em casa, contribuem
para uma pegada mais reduzida. Na área da alimentação, a preferência por
alimentos mais sustentáveis como refeições vegetarianas, em contraponto a
produtos de pecuária intensiva, pode também ser um bom contributo. Consumir de
forma consciente em termos ambientais é a melhor forma de o indivíduo
contribuir para a mitigação de todas as formas de poluição, seja em qualquer
dos sectores.”
Sobre
o impacto que dietas vegetarianas ou vegans têm neste domínio, Daniel explicou que
“a preferência por dietas com maior teor vegetal é uma boa opção para reduzir o
impacto de cada um no nosso planeta. Uma vez tomada consciência da pegada
ecológica dos vários alimentos que temos à nossa disposição, podemos, como
consumidores, tomar decisões que sejam benéficas, tanto para o próprio como
para o nosso planeta.” Além disso, abdicar de produtos de origem animal, como
carnes vermelhas, e preferir o consumo de produtos tais como legumes, cereais
ou frutas, seria um grande contributo.
No que diz respeito à
sustentabilidade do conceito do veganismo, Daniel defendeu que este estilo de
vida é realmente sustentável. Segundo ele, um artigo publicado pelo IOPSCIENCE,
“provou que poderíamos alimentar 3.5 mil milhões de pessoas se adotássemos uma
alimentação vegan”. Já Maria Inês Pardal explica “se for um veganismo de
consumo industrializado não é, de todo sustentável. No entanto, se for uma
dieta de consumo biológico e local, principalmente, seria bastante sustentável.
Poupa-se água, terreno e transporte.”
Relativamente
ao custo dos produtos vegan, Daniel e Maria Inês concordam que “uma dieta vegan
à base de produtos naturais, isto é, com o mínimo de processamento como os
comuns grupos de fruta, vegetais, cereais e leguminosas apresentam-se a um
preço bastante acessível. Por outro lado, produtos mais alternativos muitas
vezes apresentados como substitutos diretos a alimentos de origem animal
apresentam um preço mais elevado. Mas não são necessariamente essenciais para
garantir que esta dieta seja saudável.” Lívia Glória acrescenta ainda “no que
diz respeito à roupa vegan, ainda é muito cara porque, atualmente, não há muita
oferta nessa área”.
Por
fim, questionados sobre a sua opinião pessoal acerca do tema, Maria Inês
explicou: “Não como carne e peixe há algum tempo, no entanto, não me considero
vegan porque continuo a usar alguma roupa de origem animal que já tinha antes
de tomar esta decisão. Tomo muito cuidado para não consumir produtos que não
tenham origem animal e sinceramente acho que é um estilo de vida saudável para
mim. Pode não ser para outra pessoa e cada um de nós deve ter a possibilidade
de poder escolher e decidir se é ou não saudável para ele mesmo”.
Já
Lívia afirma ter-se tornado vegetariana “por uma questão política.
Quando tomei esta decisão, os meus pais alertaram-me bastante, temendo que
houvesse algum impacto negativo na minha saúde. No entanto, quando fiz exames
médicos eles ficaram bastante surpreendidos com os resultados positivos”.
Daniel
começou por argumentar “cada estilo de vida vai de encontro à convicção de cada
pessoa”, continuando “do ponto de vista sustentável, a alimentação vegan traz
uma melhor gestão de recursos, cada vez mais escassos”, mas ressalta “esta
dieta poderá não funcionar para todas as pessoas, pois cada indivíduo tem as
suas características e necessidades”. Sublinha ainda que “apoiamos o
vegetarianismo e veganismo, mas apoiamos principalmente o consumo sustentável,
isto é, um consumo que satisfaça as necessidades da presente geração sem pôr em
causa a oportunidade das gerações futuras de satisfazerem as suas necessidades”.
Tentámos
contactar a Associação Portuguesa dos Industriais de Carne (APIC), com o
objetivo de perceber melhor de que maneira é realizada a criação de gado para
alimentação em Portugal, mas, até ao momento, não obtivemos qualquer resposta.
No entanto, questionámos, de novo, Maria Inês Pardal e Lívia Glória, membros do
MAPA sobre este tópico.
Sobre
a forma como é realizada a criação de gado para alimentação, Maria Inês explica
que “há várias indústrias, portanto há imensas possibilidades. A pior de todas
é a indústria agropecuária que utiliza imensas quantidades de solos e terrenos
por todo o mundo, desgastando-os por completo. É isso que está a acontecer com a
Amazónia. A porção de água utilizada por estas indústrias também não é, de
todo, sustentável”.
Já
Lívia chama a atenção para as condições de vida em que os animais são colocados
ao longo de todo este processo “é péssimo e desumano”.
Relativamente
ao impacto ambiental que a indústria agropecuária tem mundialmente, Maria Inês
afirma “é bastante elevado, principalmente nos Estados Unidos, onde não há leis
de sustentabilidade, como existem na União Europeia. Muitas pessoas nem se
apercebem das doenças que estes tipos de indústria provocam!”
No
que diz respeito ao atual consumo de carne, em Portugal, os dois elementos do
MAPA concordam que “nos últimos anos, tem vindo a diminuir consideravelmente,
também graças à «moda» do veganismo e vegetarianismo. Pelo menos isso é
positivo”.
A
nível da saúde, recorremos aos serviços do Centro Hospitalar Universitário Cova
da Beira (CHUCB), e abordámos os efeitos do veganismo e do vegetarianismo na
vida das pessoas, com a ajuda da Pediatra Cristiana Carvalho. Esta médica
considera que tais dietas “são realmente mais saudáveis, oferecem um melhor
estado de saúde e mais bem-estar, reduzindo assim os riscos de obesidade e os
problemas cardiovasculares, mas têm que ser equilibradas”. Acrescentou ainda “para
pacientes com doenças hereditárias do metabolismo, é recomendada um regime base,
sendo ele vegetariano, mas com suplementação necessária. Já em casos de cancro,
uma dieta vegetariana ou vegan, em alternativa aos tratamentos convencionais,
não tem a sua eficácia provada até ao momento”.
Sobre
as consequências que estas dietas podem ter durante a gestação, sublinha que “na
gravidez é possível ser vegetariano ou vegan, desde que se tenha uma
alimentação equilibrada. Apenas a vitamina B12, estando presente unicamente em
produtos de origem animal, deve ser compensada através de suplementos”. No que
toca às crianças, “estas dietas, sendo elas ovo-lácteo, ovo-vegetariana, lácteo-vegetariano
ou vegan, podem ser adotadas, sem qualquer restrição, levando mesmo a um bom
desenvolvimento”.
No
que diz respeito a algum tipo de contraindicação destas dietas, a doutora
Cristiana Carvalho sublinha “desde que não haja alguma doença, ou uma alergia
grave, uma dieta bem equilibrada não tem qualquer tipo de contraindicação”.
Refere ainda “não comer carne não faz mal. Uma dieta sem comer carne pode ser
uma dieta tão equilibrada como uma dieta com carne. Pode, inclusivamente, ser
melhor pois não contém todas as gorduras saturadas de origem animal, que estão
presentes na carne, principalmente se for comida nas quantidades que são
ingeridas hoje em dia, que são em demasia.”
Nesta última década, o
veganismo e o vegetarianismo tornaram-se modos de vida cada vez mais populares.
A adesão, ou não, a este tipo de regimes têm tantos argumentos a favor, seja
ajudar no meio ambiental ou apoiar a causa animal, como argumentos contra, como
a falta de proteína animal para a saúde humana ou o impacto negativo que a
indústria animal tem em todo o mundo. No entanto, a ideia principal desta
reportagem é que cada pessoa deve seguir a dieta mais adequada ao seu corpo e
ao seu estilo de vida, e nunca apenas pelo facto de querer seguir uma moda, visto que podem haver várias
consequências, positivas ou negativas, na saúde de cada um.
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